terça-feira

Tadeusz Kantor - O Teatro da Morte

2 - segunda tentativa
Todo interessado em teatro contemporâneo cedo ou tarde depara-se diante da figura do polonês Tadeusz Kantor. Pintor de formação, cenógrafo (com o que entrou no teatro) e dramaturgo por prática (difícil denominá-lo assim, dado seu
trabalho com manifestos, atores e, digamos, direção), Kantor realizou em vida um trabalho difícil de entender, classificar e de explicar (eu mesmo levei um bocado para perceber seu valor - mas ainda não o entendi). Muito pode-se dizer quanto às formas pelas quais Kantor influenciou o teatro e as outras artes plásticas. Uma forma de fazê-lo é dizer que ele foi o "inventor" do espetáculo fora do teatro - imagino que ele renegaria minha colocação. Ou do happening, o precursor da performance. Ou dizer que com ele passou a haver um diálogo efetivo entre pintura, teatro (assim como sua independência) e a radical recusa de qualquer compromisso exterior à arte por parte do artista (qualquer que seja ele). Pode-se também afirmar que é com ele que o não-ator passou a ter um papel efetivo no palco - mas essa afirmação eu também acho que ele renegaria. Kantor abolia também a distinção espetáculo-ensaio, com o que ele também aparecia em pessoa no palco. Ele também criava afeição com objetos simples os mais diversos (só ele? andem por aí e vejam): o guarda-chuva, por exemplo. Pois então: Kantor tem todo um texto afeito a ele (minha intenção é optar por sua radicalidade, o guarda-chuva quebrado - quer coisa mais inútil? - mas isso, vejo, ele também já fez rs). Pois Kantor aferrava-se ao "valor" do objeto mais raso possível para aproximar a arte a si mesma (mas há formas mais eficazes de se falar disso - basta procurar no Google - e, ainda melhor, de vê-lo ao vivo - acho que ele também riria disto - dá para ver que ele tinha muito bom humor). Mas Kantor era também corajoso, montando espetáculos clandestinos durante a Segunda Guerra. Mas falemos do livro. O livrinho que resenho aqui é uma compilação da maioria dos manifestos de Kantor. Pode parecer pouco (para quem acharia melhor ter acesso aos espetáculos). Mas é lendo os manifestos - e avaliar as muitas fotos reproduzidas no livro - que é possível entender sua centralidade nas propostas de Kantor. Os textos foram compilados por Denis Bablet, especialista em Kantor com livros em todo o mundo. Dele é também a apresentação (refiro-me ao texto que pincela a carreira do polonês).
Desta retiro quase ao acaso apenas três itens: 1) sua oposição ao teatro de "'empresas' que 'programam', 'fabricam' espetáculos que entregam ao 'consumo' ao ritmo das temporadas; 2) sua recusa a "'embasbacar'", embora "os meios que (Kantor) utiliza são fortes, provocantes, contestadores; e 3) reproduzo o próprio: "meu papel em relação ao ator se reduz [ao trabalho de] impor situações que, evidentemente, eu crio". E mais importante (ao menos para mim): "Essas situações determinam o ator deixando-o em liberdade para revelar sua individualidade". Aproveito para destacar a palavra "liberdade", quem sabe em seu trabalho tão ou mais importante que esta outra: "independência".
Para quem prefere ter uma sinopse do livro. Este passa por diversos manifestos, a saber: o teatro independente, o teatro cricot 2, o teatro informal, o teatro complexo (com destaque ao espetáculo "Armário", que é praticamente reproduzido no livro), as embalagens (manifesto de 1962, extremamente difícil, ao menos para mim, de apreender em todas suas acepções), o teatro zero, um capitulo sobre as fronteiras da pintura e do teatro (com a defesa da antiexposição e do happening), o teatro-happening (com desenhos de extrema personalidade e a defesa dos gestos extremos), o teatro i, um capitulo sobre "do real ao invisível", outro sobre Maria Stangret, o teatro cricot 2, o teatro impossível, e por último o teatro da morte, que dá nome ao livro. Há ainda a reprodução de A Barraca de Feira, e um encerramento, O Artista. Pode-se passar por Kantor simplesmente? Acho difícil.
Especialmente porque todas as questões que ele toca são tão importantes porque atuais. Com isso, ao menos comigo, o livro torna-se quase vivo, que ironia em se tratando de Kantor.

1 - primeira tentativa
O estudioso - e mais ainda o realizador - de teatro nos dias de hoje tem sempre muito a fazer para atualizar seu entendimento do panorama atual teatral, brasileiro ou mundial. Nesse esforço, é preciso em primeiro lugar notar que há realizadores que deixaram sua marca em todo o mundo, alguns já há alguns anos, e que devem obrigatoriamente ter sua trajetória acompanhada. Um desses realizadores é o polonês Tadeusz Kantor. Pintor de formação e cenógrafo na prática, Kantor destacou-se, dentre outras coisas, por questionar sem cessar o teatro acomodado em que muito do que vemos se torna com o passar do tempo e das discussões sobre arte e futuro. Mas não é muito fácil auferir em que realmente consiste esse seu desafio. Caracterizado por liderar manifestos de origem as mais das vezes obscura, Kantor toca porém muito profundamente nos pontos que devem fazer do teatro uma arte viva e pulsante. Teatro Zero, Teatro i, Teatro da Morte são apenas alguns desses manifestos. O livro aqui resenhado é uma compilação desses manifestos e de escritos os mais diversos, de autoria do próprio Kantor, com que é possível acompanhar, no sabor da batalha, muito da trajetória do próprio criador. Organizada e apresentada por Denis Bablet, reconhecido estudioso da obra de Kantor, a obra aqui resenhada conta também com uma breve mas muito informativa apresentação - "O jogo teatral e seus parceiros" - do próprio Bablet, que serve para contextualizar a trajetória de Kantor, ressaltando a coerência de toda sua luta - luta, aliás, que ele encarava com extremo bom humor (basta ver alguns vídeos no You Tube de trechos de algumas de suas peças e com breves entrevistas). Note-se por exemplo que ele, Kantor, não hesitava em destacar que sua melhor fase foi quando se propôs a liderar um teatro experimental clandestino durante a ocupação alemã (por volta de
1942). Pois foi nessa ocasião que a luta deve ter-se mostrado ao mesmo tempo mais real e original. Como depoimento pessoal, deixo aqui registrada minha dificuldade em perceber o quanto a trajetória de Kantor foi e ainda é importante no panorama do teatro mundial. Foram necessárias diversas leituras em livrarias, de exemplares do livro aqui resenhado, para conseguir captar algo da mensagem do polonês aqui retratado. Hoje torna-se difícil para mim abordar o teatro sem lembrar o radical e bem-humorado polonês.

Nenhum comentário: