sexta-feira

América (de Andy Warhol)

andy warhol andava com a máquina fotográfica para lá e para cá. dele resultaram milhares de fotos.


andy warhol era um fanático pela américa. descendente de imigrantes rutenos, ele aprendeu a ver a américa com seus próprios olhos, que eram especiais por abordarem o objeto sem qualquer necessidade de complacência com qualquer crítica. crescendo meio isolado por diversas doenças, warhol acostumou-se a ver o mundo de soslaio, distante, frio até.

mas por trás de tanta frieza havia um ser humano compassivo. um ser humano que via a superficialidade, sua matéria-prima, como uma festa do óbvio.

américa, seu livro, é composto por textos relativamente breves e pode ser lido em poucas horas. não é um tratado de nada, e os textos simplesmente acompanham as fotos - algumas descritas, mas pode ser algo mais. os textos não versam por temas especiais, nem se propõem definitivos em porra nenhuma. são simplesmente textos que acompanham fotos ou são por elas acompanhados. o livro é isso.

lá, warhol defende o por quê dos eua se chamaram américa. ninguém teve a idéia antes. tem razão.

lá, warhol defende banhos públicos para fazer com que as pessoas de rua consigam se entrosar na sociedade sem serem expulsos de onde quer que eles forem.

lá, warhol explica o porquê de todos buscarem o sucesso, a novidade de amanhã, e por quê quase todos dão com os burros n'água. é lindo ver como escreve de forma limpa e singela, sem ser necessário captar nada por trás do que diz. ele não tem subtexto, como o meu amigos luís capucho. diz simplesmente o que quer dizer.

as fotos não têm nada demais. mas todas têm um ponto em comum. o que se vê é o que se quer mostrar. tudo é uma descoberta. não há essa chatice de buscar mensagem em fotos com efeitos desse ou desse outro jeito. ou de encontrar poesia. não há poesia. há a foto e pronto. é sobremaneira saudável ver o mundo dessa forma.

não diria que este é um livro obrigatório para adentrar nesse universo de que o warhol retirou a tampa. há livros mais esclarecedores, com mais fontes, com maior profundidade ou mesmo discussões de maior relevãncia. mas para quem vê com os olhos américa é uma boa entrada nesse cardápio extenso que começou nos eua de meados dos 60.

O que ela quer (de Martha Nowill)

não gosto da poesia que vejo por aí.


não adianta me indicarem um ou outro.

acho tudo muito fraco e não me fascina.

além do que acho um porre esse negócio de ter algo a dizer.

diz logo e não enche o saco, dá vontade de dizer.

ah, tem uma experiência interna insuspeitada, legal. guarda para você que tenho mais o que fazer.

fui ao lançamento do livro em questão indicado pela marcela lordy, assistente de direção que nos deu uma oficina de cinema.

qual a minha surpresa de descobrir que a autora era aquela garota que já vi vezes sem conta em lugares os mais diversos e que eu não soube aquilatar.

queria ler algo antes de me dispor a comprar. li e gostei. comprei. ela pôs uma dedicatória adequada: espero que estes poemas cheguem em você! (com ! e tudo)

o livro é pequenininho.

na capa, como que fotogramas da própria. dá para ver que é ela mesma. com os peitos como diz nos poemas. e os cavalos. e as flores. o telefone e o escambau.

o livro tá meio que cheio de erros de revisão. mas vamos ao que importa.

a martha devolveu-me o gosto pelo inusitado.

seus poemas, não todos, quebram as pernas. vão aonde não esperamos. parece haver sempre uma surpresa à frente.

ou são diretos. curtíssimos. definitivos.

dá para notar que ela se apresenta. ela diz o que ela quer.

deixo a citação de trechos para a ivana arruda leite, que faz uma orelha.

meto-me a lembrar o que senti ao lê-los, aos poemas.

tudo começa com o nascimento, não é mesmo? ela nos conduz ao bosque em que cresceu. em quatro breves estrofes. só.

em seguida se mete a contar produtos químicos. sim, mas é por meio deles que ela nos apresenta a si mesma e às suas particularidades. o aspirar gasolina - que me leva à mesma sensação. o ardor do primeiro desodorante. e por aí vai.

há reminiscências à mãe, aos homens que rondeiam, às inseguranças e inadequações - ou busca de adequações - no inadequado, olha só.

há o correr de estrofes que guardam segredos e que nos fazem sentir, não lendo algumas frases rasteiras, mas entrando em intimidades restritas. sentimos a pessoa atrás delas. guardamo-la conosco.

há poemas (levemente) dispensáveis. especialmente os facilmente decifráveis. ou aqueles que fazem uso claro de livres associações - que porre, isto. mas em geral são estrofes expressivas. que começam no meio de situações. que concentram aspirações inalcançáveis. veja-se por exemplo (não resisto e me desdigo) "até então/ eu não tinha sofrido de amor". não é lindo? só isso. (e tudo a ver comigo, hoje).

o poema que dá nome ao livrinho é quem sabe o melhor de todos. longo, mas não muito, o suficiente para manter a surpresa. para reter a saciedade inalcançável do sentido decifrado.

pela surpresa de alguns recursos, supro-me de um gosto há bastante tempo perdido.

e pela referência a situações comuns a todo homem/mulher adulto meio perdido (quem não está?), em companhia.

não costumo elogiar livrinhos de poucas palavras. mas é bom. é, sim.

a editora é a edith.