segunda-feira


Os Anos do Furacão, de Mário Bortolotto

Segunda coletânea de textos escritos para o blog do escritor Mário Bortolotto, sendo este também diretor do Grupo Cemitério de Automóveis de teatro, atividade em que é mais conhecido, Os Anos do Furacão (Realejo, Santos) confunde-se com uma bebida, a ser sorvida e degustada aos poucos.
São todos textos curtos. Impressos numa fonte grande. Não dá para saber se são cronológicos. No segundo terço do livro, de repente as páginas tornam-se pretas. São quando muito 20 páginas assim. Essas páginas narram, de um ponto de vista bem particular, como se deu o assalto aos Parlapatões e as agressões de que Mário foi vítima, levando três tiros que quase o matam. Há agradecimentos e o escambau. Nota-se que o acontecimento dividiu águas. Mas o tom continua o mesmo. Nada de lágrimas ou lamentos. O Mário não desiste de assumir o seu lugar privilegiado na avaliação do seu entorno.
No fim, sobram páginas mais recentes. Até o momento em que ele avalia o ano que passou (2012) e imagina o que virá. Mas ao que parece ele não guarda mais ilusões - se é que guardou alguma vez.
Comprei o livro no lançamento e o Mário pôs lá uma dedicatória. "Que os próximos anos nos tragam momentos com tempestades mais amenas". Engraçado, isso. Encontrei o próprio algumas horas depois de haver concluído a leitura. Disse eu que o livro acabou cedo. E foi mesmo. Anotei isso na última página.
O Mário é um cara que ousou trilhar um caminho próprio, acompanhado por amigos (que é o que ele mais preza), sofrendo decepções e ausência de reconhecimento (ele sempre brinca que ninguém vai assistir as peças dele, o que é meia verdade) e opondo-se a critérios de fora como avalistas ou não do seu trabalho. Ele diz que sabia a encrenca em que havia se metido: viver de teatro, fazer o que gosta e consumir o que aprecia. Por consumo, diga-se livros, cds, dvds e, é claro, bebida, muita bebida. De todos os 30 anos em que insiste, conseguiu comprar uma kitchenete no centro de São Paulo e - agora - um teatro (o Teatro Cemitério de Automóveis, na rua Augusta, 384, São Paulo, SP) em parceria com uma amiga, a Dani, aliás, gente boníssima e atriz de primeira.
A quem pensa que ler o livro é apenas adentrar no universo de um teimoso pelo teatro, eu diria que não é bem assim. O Mário não elenca pormenorizadamente as influências que captou durante toda sua trajetória, como se fosse explicar uma e outra coisa, mas estão lá em negrito muitas das pessoas, personalidades, artistas, obras e o escambau que fazem do seu teatro tão gostoso de ser digerido (quanto ao teatro, falo aqui com certa suspeição, dado que assisto as peças do grupo n vezes, mais vezes do que quaisquer outras peças de quaisquer outros grupos. Ele até diz achar estranho. Não é, é que eu gosto. Eu nunca me satisfaço em assistir mais e mais. Sinto até saudade dos personagens, vai entender). Tem lugar para muita gente, indo de Bukovski, Kerouac, Cash e muitos outros. O Mário é um cara que não se gaba. Ele vê o que gosta, fala com quem quer e o que quer. Não acha que a opinião dele vale mais do que qualquer outra, nem acha que outra opinião, de quem quer que seja, valha tanto mais. Ele bebe do blues. Ok. Mas tem certa restrição a ser chamado (por qualquer um) de bluesman (ele adora quando um amigo o chama disso). Ele adora rock. Mas não gosta de muito pretenso rock. Ele assiste outros caras, sim. Mas não comenta com qualquer um. Não se mete a dar opinião a torto e a direito (já foi assim). Ele leu a Ilíada com 12 anos, saca. Difícil achar algo que realmente o surpreenda. O ser humano é humano demais para surpreender quem resolveu trilhar o caminho mais árduo.
Mais é demais. Peguem o livro nas mãos, folheiem-no e avaliem. Se gostarem, tudo bem. Se não, tudo bem também. Palavras do Mário.

Nenhum comentário: